amistad

“Joga a bola, menino”

“Dá pontapés certeiros
Na empanturrada imagem
Deste mundo.
Traça no firmamento
Órbitas arbitrárias
Onde os astros fingidos
Percam a majestade.
Brinca, na eterna idade
Que eu já tive
E perdi,
Quando, por imprudência,
Saltei o risco branco da inocência
E cresci."

MIGUEL TORGA

“entre nós e as palavras há hélices que andam”

“e podem dar-nos a morte violar-nos tirar

do mais fundo de nós o mais útil segredo

entre nós e as palavras há perfis ardentes

espaços cheios de gente de costas

altas flores venenosas portas por abrir

e escadas e ponteiros e crianças sentadas

à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos

há palavras de vida há palavras de morte

há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar

há palavras acesas como barcos

e há palavras homens, palavras que guardam

o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,

as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras nocturnas palavras gemidos

palavras que nos sobem ilegíveis à boca

palavras diamantes palavras nunca escritas

palavras impossíveis de escrever

por não termos connosco cordas de violinos

nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar

e os braços dos amantes escrevem muito alto

muito além do azul onde oxidados morrem

palavras maternais só sombra só soluço

só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados

e entre nós e as palavras, o nosso dever falar”

MÁRIO CESARINY

“O Constante Diálogo”

“Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado

o semelhante
                   o diferente
                   o indiferente
                   o oposto
                   o adversário
                   o surdo-mudo
                   o possesso
                   o irracional
                   o vegetal
                   o mineral
                   o inominado

Diálogo consigo mesmo
                   com a noite
                   os astros
                   os mortos
                   as ideias
                   o sonho
                   o passado
                   o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
                           e
tua melhor palavra
                         ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.”

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

“Baudelaire’s unknown extra verse to erotic poem revealed”

“New lines to The Jewels, inscribed in a copy of Les Fleurs du Mal, has been unveiled as the volume comes up for auction. (...)

“Et je fus plein alors de cette Vérité: / Que le meilleur trésor que Dieu garde au Génie / Est de connaître à fond la terrestre Beauté / Pour en faire jaillir le Rythme et l’harmonie,” wrote Baudelaire. The lines, which come after a verse in which Baudelaire’s naked lover is seen only in the light of the hearth, translate as: “And I was full then of this Truth: / That the greatest treasure reserved by God for the Genius / Is to know profoundly earthly Beauty / So that from there can spring forth Rhythm and harmony.”

Drouot’s Myrtille Dumonteil told France Info that “the writing has been authenticated and is the hand of Baudelaire. It y is the type of object that one always hopes to find in an estate.” (…)”

(Lido em: The Guardian 2019-11-15)

“A minha vida é o mar o Abril a rua

O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada”

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

"Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, pois cada pessoa é única, e nenhuma substitui outra.

Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós
Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito; mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito; mas não há os que não deixam nada.
Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente que duas almas não se encontram ao acaso."

ANTOINE DE SAINT-ÉXUPÉRYY “O Pequeno Príncipe”

“(...) O pior é que a namorada que nos ouve falar de tal escritora lésbica do século XIX, cuja obra dizemos aborrecer-nos não está a ouvir o que estamos a dizer. Está a ouvir o que não dizemos e o que ficou por dizer. É uma arte divinatória – pronto, bruxaria – que todas as mulheres têm. Traduzem tudo o que lhes interessa.

(...) Deixar pensar as mulheres é um dos grandes segredos do mulharengo. Elas que pensem. Não as insultemos com as nossas tentativas de lhes alterar o pensamento. Elas continuarão a pensar o que pensam. Mas acrescentarão à lista das nossas maleitas uma que é eroticamente desfavorável como poucas: o julgar que elas são parvas. (...)”

MIGUEL ESTEVES CARDOSO (Miguel Esteves Cardoso, Como é Linda a Puta da Vida, Porto Editora, Porto, 2015 (2013))

“O valor das palavras

"As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade."
VICTOR HUGO (1802-1885)

"'My ties to England have loosened': "John le Carré on Britain, Boris and Brexit"

"At 87, le Carré is publishing his 25th novel. He talks to John Banville about our ‘dismal statesmanship’ and what he learned from his time as a spy"

I have always admired John le Carré. Not always without envy – so many bestsellers! – but in wonderment at the fact that the work of an artist of such high literary accomplishment should have achieved such wide appeal among readers. That le Carré, otherwise David Cornwell, has chosen to set his novels almost exclusively in the world of espionage has allowed certain critics to dismiss him as essentially unserious, a mere entertainer. But with at least two of his books, The Spy Who Came in from the Cold (1963) and A Perfect Spy (1986), he has written masterpieces that will endure. (...) "                                                           (Lido em: The Guardian, 2019-10-11)

“No poema dedicado à obra Quadro I, de Mondriaan (1872-1944), a partir da referência a alguns elementos da pintura, que revelam o seu caráter estático, o poeta faz também uma alusão ao processo extremamente racional empregado pelo artista na elaboração de sua obra;

 

“Quadro I (Mondriaan)”

 

Universo passado a limpo.

Linhas tortas ou sensuais desaparecem.

A cor, fruto de algebra, perdura.”

 

DRUMMOND DE ANDRADE

 

(...)

Enquanto em relação a Quadro I o poeta destaca o aspecto estático da pintura de Mondriaan e o seu método racional, no poema dedicado à obra Carnaval de Arlequim, de Miró (1893-1983, ele sugere o intenso movimento da pintura e, consequentemente, por tratar-se de uma obra surrealista, em que se buscava a revelação do inconsciente, o método sujetivista de Miró.

 

“Carnaval de Arlequim (Miró)”

 

“Descobri que a vida é bailarina

e que nenhum ponto inerte

 

anula o viravoltear das coisas.”

 

DRUMMOND DE ANDRADE

(Fernando França, O Diálogo entre Literatura e Artes Plásticas em Arte em Exposição, de Carlos Drummond de Andrade, Expressão Gráfica e Editora, Fortaleza, 2007)